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laura 🏁

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@formulalau

Mar 22, 2024
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A mulher brilhante ao lado de Ayrton Senna, a thread 🧶

O ano era 1990, e as equipes tinham assessores de imprensa responsáveis pelas duplas de pilotos. Não existia isso de um assessor pessoal, que acompanha um único atleta pra todo canto. Até Ayrton Senna resolver que precisava de um, ou melhor, de uma. Deixa eu te contar sobre ela.
📌 Maria Beatris Assumpção. Ou melhor, Betise. Ela escrevia para o Estadão, cobrindo as categorias de base de diversos esportes. Entrevistou Ayrton algumas vezes nessa época, conheceu a família dele e tudo. E acredite, Fórmula 1 não era a praia dela. Achava uma categoria chata.
No final dos anos 80, ela foi morar em Londres pra tentar a sorte na imprensa britânica. Olha só a sorte: um dia, Betise estava na casa da irmã (que também morava lá) e um amigo dela ligou perguntando se Ayrton poderia estacionar lá pra ir a um torneio de tênis.
Senna reconheceu Betise das entrevistas na base, e chamou ela pra jantar já no dia seguinte. Eles mantiveram contato e, depois de um ano, o pai dele a chamou para assessorar o filho a partir de 1990. O que, como já comentei, era novidade no meio. A organização era tudo mato.
Em uma entrevista de 2017 ao Ayrton Senna Vive, ela contou: “Os repórteres apareciam e iam perguntando o que queriam, depois publicavam o que não tinha sido dito. Os da TV se achavam mais importantes, tinha empurra-empurra e até briga. Cheguei e fui logo botando ordem na casa!”
"’É da TV? Ali. Mídia impressa? Aqui.’ E gravava tudo, sempre. Se publicasse o que não foi dito, nunca mais teria uma entrevista com o Ayrton.” PS: podemos ressaltar o quanto ela revolucionou esse cenário? Muito do que a F1 usa hoje começou com o pulso firme dessa brasileira aí.
Betise acompanhou Ayrton até o fim. Disse que demorou um ano e meio pra ele entender que ela não puxaria o saco dele, e que o piloto sempre foi muito tranquilo e educado. Que tinha bom senso, sabia escutar - e que a imprensa internacional o via como um terceiro mundista mimado.
E ela fazia questão de manter o profissionalismo. Recusou, inclusive, quando ele a pediu que o chamasse de Beco - apelido que só a família usava. “Éramos muito amigos, mas eu fazia questão de não ser amiguinha demais pra não perder a capacidade de falar ‘não é assim que se faz”.
📌 Imagina se não tem história boa? Quatro anos acompanhando um piloto como Ayrton rende história até dizer chega. Em 2014, Betise criou um blog pra contar algumas delas. A minha favorita é a do autógrafo pro Nelson Piquet. Vou resumir e deixar o link do blog lá em baixo, tá?
Ela definiu o causo como “um pedido complicado”, e foi logo depois do grave acidente de Nelson na Indy. Piquet estava hospitalizado para cuidar das fraturas nas pernas, nos pés e do traumatismo craniano que sofreu. Pois é, eu avisei que foi grave.
É que um jornalista estava recolhendo mensagens dos pilotos da Fórmula 1 em um pôster para entregar a Piquet, e deixou nas mãos de Betise a tarefa de pedir que Senna escrevesse um recado para ele. “Nesta, eu precisava caprichar. Eles não se falavam.” E lá foi ela.
Ayrton limpou a mesa à sua frente, abriu o pôster e leu todas as notas. Até ressaltou que Nelson iria adorar o comentário de Nicola Larini: “não se preocupe, a perna mais importante é a do meio”. Depois, concentrado, levou alguns minutos para escrever a própria mensagem.
“Foi algo sincero e honesto. Não queria ser mal interpretado e precisava evitar a palavra ‘Deus’, pois sabia que Nelson não era religioso como ele. Estava visivelmente emocionado. Não lembro o que Ayrton escreveu, mas pra mim, o mais importante foi o que ele sentiu escrevendo”.
📌 A vida pós-Imola Peço licença pra não discorrer sobre o acidente. A gente já sabe muito bem como foi, essa não é uma thread de luto e tampouco é sobre o Ayrton. Essa é a thread da Betise. E ela perdeu um grande amigo, então não podemos passar em branco por aquele dia.
A direção de prova queria divulgar - pro mundo, pra família e pra Betise - que Ayrton Senna saiu da pista com vida (assim, não precisariam cancelar o GP). Mas ela já sabia que não havia esperança. E, infelizmente, ficou com a dura missão de fazer a família Senna acreditar nisso.
Quando o Dr. Sid Watkins - quem socorreu Ayrton, Rubinho, Roland e tantos outros - chegou ao hospital, ela pediu que ele tomasse o telefone e contasse à irmã de Senna a gravidade da situação. “Betise, não há esperança nenhuma” ele disse, dolorido. “Ele já estava morto na pista.”
Nem no dia do velório ela teve descanso - descobriu que queriam colocar Prost e Stewart, os dois com mais títulos, pra carregar o caixão. Ficou indignada. "Não havia nenhuma dúvida em minha mente que Gerhard Berger tinha de estar bem na frente, pole position absoluta."
Ela correu contra o tempo, mas reposicionou todo mundo. Gerhard e Emerson na frente, Rubinho e Prost logo atrás. "Eu acho que o Ayrton ficaria feliz de me ver tomando suas dores, ajudando seus amigos e tomando decisões sem titubear. Ele era assim." 🥹
Naturalmente, Betise se afastou da Fórmula 1 - quem a ligava à categoria já não estava mais ali. Passou um ano anestesiada, mas foi ao GP de Spa, em agosto. A contragosto de Ecclestone, Jayme Brito a colocou dentro do box da Williams. Aliás, olha o que os fãs pintaram na pole:
E foi o destino, talvez. Patrick Head foi o projetista da polêmica Williams de 94 e se apaixonou por Betise. Se reencontraram naquele GP de Spa e se casaram algum tempo depois. Os dois passaram 13 anos juntos e tiveram um casal de filhos: Luke, hoje com 24 anos, e Julia, de 21.
Aliás, sobre as acusações de que Patrick foi o responsável pela morte de Ayrton, Betise é categórica na resposta: “O que aconteceu foi um acidente, ninguém quis matar o Ayrton. Ele correu porque quis.”
E a vida seguiu. Betise Assumpção (hoje, Betise Head) só voltou ao circuito de Imola em 2014, 20 anos depois. “As memórias começaram a aparecer com num slideshow. Os boxes, a torre, a Tamburello. E eu acabei chorando – apesar de ter jurado pra mim mesma que não o faria", contou.
Naquele mesmo ano, ela escreveu: “Às vezes eu ainda acho que vou encontrá-lo em algum lugar: no Hotel onde ele costumava ficar em Londres; em Wimbledon, onde nos esbarramos em 1987; na Kings Road, onde trouxe sua última namorada Adriane pra passear. Como sinto saudades.”
Essa é a primeira thread de um especial dos 30 anos sem o Ayrton que vai rolar até o triste dia 01.05 - e a ideia não é lembrar da morte, mas da vida e das pessoas com quem ele conviveu. O blog da Betise (que tô compartilhando com muito ciúme, viu?): betisesportsworld.wordpress.com
Se você gostou desse tipo de thread e/ou tá começando a se interessar agora pelo caótico e fascinante mundinho da Fórmula 1, dá uma olhadinha aqui que tem bastante coisa: x.com/formulalau/sta
laura 🏁

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Seja bem-vindo à Fórmula 1 🧶
Ok, isso tá tomando proporções absurdas então vou adicionar uma notinha de rodapé pra evitar dor de cabeça mais tarde. Li em mais de um lugar que a moça da primeira foto é, sim, a Betise - mas não tenho como confirmar com certeza absoluta. Se não for, já peço mil desculpas!
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ah mas vocês não vão acreditar no cafézinho da tarde de hoje
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